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RECOMENDAÇÃO SOBRE HIV E A AIDS E O MUNDO DO TRABALHO: A RECOMENDAÇÃO 200 DA OIT E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Publicado em 10/12/2018

 

RECOMENDAÇÃO SOBRE HIV E A AIDS E O MUNDO DO TRABALHO: A RECOMENDAÇÃO 200 DA OIT E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

 

 

 

Fernando Luiz de Oliveira Filho e Nina Ferreira Santos Novis Feitosa

 

 

Resumo: O objetivo deste trabalho é fazer uma breve análise da influência realizada no ordenamento jurídico brasileiro pela recomendação 200 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), denominada recomendação sobre o HIV e a AIDS e o mundo do trabalho, levando em consideração a sistemática dos efeitos produzidos por essas normas no sistema jurídico brasileiro.

 

1.          Introdução

 

Inicialmente, de suma importância esclarecer que a Organização Internacional do Trabalho, desde suas origens até sua atual estrutura e suas funções no âmbito da Organização das Nações Unidas, tem deliberado por meio de Convenções e Recomendações.

 

As Convenções, que têm natureza jurídica de tratados internacionais, precisam ter um processo de internalização para gerarem efeitos no ordenamento jurídico brasileiro.

 

Por outro lado, as Recomendações não estão sujeitas a este processo de internacionalização. As Recomendações, devidamente aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho – CIT -, devem ser adotadas pelo país membro como uma orientação.

 

Neste sentido dispõe o art. 19, § 5º, b e § 6º, b da Constituição da OIT: "tratando-se de recomendação, para que, ciente do seu texto, legisle, total ou parcialmente, sobre o que nela se contém ou adote outras medidas que julgar aconselháveis."

 

Sendo assim as Recomendações, apesar de ensejarem princípios, não geram, por sua natureza, a obrigação de serem transformadas em normas internas. Tendo natureza de uma orientação da OIT de como os Estados devem pautar seu direito trabalhista interno no tocante aquela matéria específica.

 

Considerando-se que as Recomendações são orientações emanadas da OIT, cabe às autoridades competentes de cada Estado-membro, seja no Legislativo, Executivo e até mesmo Judiciário, dentro de suas atribuições internas e respeitadas as esferas de atuação de cada um dos Poderes, implementar as normas cabíveis para o efetivo exercício daquele princípio, consagrado na Recomendação.

 

2.          A legislação brasileira e suas influências

 

Antes de adentrarmos a questão da influência sofrida pela legislação pátria em razão da recomendação 200 da OIT, é necessário entender o tema relativo à denominada despedida discriminatória.

 

É que a despedida discriminatória é uma questão juridicamente relevante, já que muito tem se falado em promoção da igualdade e das condições de oportunidade de emprego a todos, bem como há efetiva necessidade de erradicar a exclusão e a discriminação das pessoas historicamente desfavorecidas, entre elas aquelas portadoras de HIV e AIDS.

 

A velada discriminação sofrida por alguns grupos minoritários, mormente no ambiente de trabalho, é fato que tem ensejado a jurisprudência a considerar presumida a segregação social diante da dispensa imotivada do empregado, com esteio nos artigos 1º, III e IV; 3º, IV; 5º, caput e XLI; 170 e 193; todos da Constituição Federal, que garantem a dignidade da pessoa humana, o direito ao trabalho, à vida, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

 

Assim, é essencial a efetiva investigação de existência de prática discriminatória e, em caso positivo, de sua necessária reparação e punição.

 

O tema da igualdade e da não-discriminação se encontra na origem do próprio Direito do Trabalho, que surge historicamente como elemento compensador das desigualdades reais existentes entre empregados e empregadores nas relações de trabalho.

 

O próprio desequilíbrio estrutural da relação trabalhista já pode ensejar arbitrariedades e quando aliada a um fator discriminatório torna-se mais violenta.

 

Tal questão está dentro do conceito de estigmas, explicado por Carlos Roberto Bacila, porquanto o indivíduo que não se enquadra no estereótipo do “empregado ideal” muitas vezes sendo visto como alguém menos qualificado para o trabalho.

 

O estigma é definido por BACILA como:

 

“[...] um sinal ou marca que alguém possuiu, que recebe um significado depreciativo (...) gera profundo descrédito e pode também ser entendido como defeito, fraqueza ou desvantagem. Daí a criação absurda de duas espécies de seres: os estigmatizados e os ‘normais’, pois, afinal, considera-se que o estigmatizado não é completamente humano”.

 

Estigma seria, então, um “rótulo” socialmente empregado às pessoas, com aspecto objetivo, que é a marca (sexo, raça, condição social, defeito físico, religião e etc.) e outro subjetivo (valoração negativa ou depreciativa), o estigma fere a igualdade entre as pessoas e a aplicação do Direito.

 

Ressalte-se que a Convenção nº 111 da OIT de 1958, ratificada pelo Brasil em 1968, já trazia um conceito de discriminação especificamente nas relações de trabalho em seu art. 1º, entendendo-a como qualquer “[...] distinção, exclusão ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, origem social ou outra distinção, exclusão ou preferência especificada pelo Estado-Membro interessado, qualquer que seja sua origem jurídica ou prática e que tenha por fim anular ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento no emprego ou profissão”.

 

Portanto, a Convenção 111 da OIT já considerava como discriminação toda distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.

 

Assim, mesmo antes de ser editada a Recomendação 200 da OIT, o Brasil já se preocupava com a discriminação no ambiente de trabalho, tanto assim que no ano de 1995 promulgou-se a lei 9.029.

 

A lei 9.029/95 veio coibir algumas práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

 

Ficou expressamente previsto, no seu artigo 1º, que é proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, nesse último caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas constitucionalmente.

 

Ressalta-se que a lista de possibilidades discriminatórias apontadas pelo seu art. 1º é meramente exemplificativa, já que expressamente veda “qualquer prática discriminatória e limitativa”.

 

Porém, somente após a edição da Recomendação no ano de 2010 é que o Brasil buscou a garantia ao emprego do portador de HIV e AIDS, e ainda assim, essa garantia não veio através do legislativo, mas sim do próprio judiciário.

 

Como já dito anteriormente, por se tratar de Recomendação, não há a necessidade do mesmo ser debatido pelo Congresso Nacional, podendo qualquer um dos poderes do Estado-Membro, aplicar da melhor forma que entender, e assim, o TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST, no ano de 2012 editou a Sumula 443, a qual versa quanto a garantia (estabilidade) de emprego dos portadores de HIV e AIDS, incluindo-as como mais uma forma de discriminação.

 

Diante do todo exposto, verifica-se que a súmula 443 do TST, amplamente influenciada pela Recomendação 200 da OIT, trouxe como inovação normativa a presunção de discriminação na despedida do empregado portador de HIV e outras doenças graves que possam causar estigma. O preconceito e a discriminação contra empregado portador de doença grave, como HIV, passaram a ser combatido, sendo certo que a rescisão imotivada do seu contrato de trabalho, gera a presunção relativa de ato preconceituoso e discriminatório.

 

Por outro lado, de certa forma, passou a reconhecer uma “estabilidade” empregatícia para os empregados portadores de doenças graves, o que, para a doutrina, viola direitos e garantias constitucionais do empregador, violando o princípio da legalidade, na medida em que admite o direito a estabilidade do contrato de emprego, sem que ocorra previsão legal correspondente, e violando o direito potestativo do empregador.

 

Dentro desse posicionamento crítico, é certo que a jurisprudência vem trazendo diferentes posicionamentos na análise dos casos em concreto, seja se posicionando de forma a reconhecer o direito à reintegração ou afastá-lo, desde que demonstrada a motivação do ato rescisório de forma fundamentada.

 

Logo, a presunção trazida pela Súmula não se mostra absoluta, sendo certo que nem sempre o ato do empregador em rescindir o contrato de trabalho do portador de HIV/AIDS é absoluta ou restritivamente uma discriminação.

 

Com se abstrai da Súmula 443 do TST, a “garantia ao emprego” se dá não propriamente em virtude da doença grave a que o empregado esteja acometido, mas da postura preconceituosa do seu empregador, que utiliza a doença como “motivação oculta” para despedir o obreiro.

 

Os trabalhadores portadores de alguma doença grave, inegavelmente se tornam duplamente vitimados. Além da enfermidade acometida, passam a ser estigmatizados, ou seja, são tratados injustificadamente de forma diferenciada aos demais, suportando consequentemente o preconceito. O estigma e o preconceito geram redução drástica da qualidade de vida e a exclusão social.

 

Por outro lado, ainda que respeitando o caráter social do contrato de trabalho, não se pode permitir a garantia ao emprego de forma irrestrita sob pena de se colocar a própria atividade econômica em risco, sendo certo que a rescisão motivada é aceita desde que com justificativas relacionadas a produtividade e qualidade do trabalho desenvolvido.

 

Ademais, é importante ressaltar que para a existência do estigma mencionado precisa ser demonstrada porque a rescisão do contrato pode não ter qualquer relação com a doença ou mesmo o empregador sequer ter conhecimento da patologia, afastando a incidência da referida Súmula.

Entretanto, como bem sustenta Maurício Godinho Delgado, “a existência dessa presunção agrega proteções ao emprego do trabalhador, uma vez que pode ensejar a nulidade da dispensa e a reintegração ou indenização compatível”.

 

3. Conclusão

 

Diante do todo exposto, é importante ressaltar que o Brasil já se preocupava em diminuir as desigualdades em razão do preconceito nas relações de trabalho, antes mesmo da edição da Recomendação 200 pela OIT.

 

Porém, somente a edição da referida Recomendação é que o Brasil, ainda que através do poder judiciário, preocupou-se em inserir no rol de despedidas discriminatórias os portadores de HIV e AIDS, garantindo-lhes um ambiente de trabalho sadio e duradouro.

 

Em verdade, a Sumula 443 do E. TST, não busca apenas a garantia ao emprego, mas sim a diminuição de posturas preconceituosas por parte dos empregadores e seus prepostos, tornando o ambiente de trabalho mais propicio a todos, com segurança e bem-estar, gerando assim uma diminuição da exclusão social do trabalhador portador de HIV/AIDS.

 

Deste modo, a Recomendação sobre o HIV e a Aids vem cumprindo o seu papel de orientação, influenciando os Estados-Membros à proteção dos trabalhadores portadores de doenças que causem estigma social, ainda que não exista uma legislação específica que a acolha, atuando como protagonista do afastamento das consequências do preconceito sofrido em razão da doença.

 

Referências Bibliográficas

 

DELGADO, Mauricio Godinho. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 17ª edição, 2018, Editora LTR.

 

BACILA, Carlos Roberto. CRIMINOLOGIA E ESTIGMAS: Um estudo sobre os preconceitos. 4ª edição, 2015, Editora Atlas.

 

DE ALMEIDA, André Luiz Paes. CLT E SÚMULAS DO TST COMENTADAS. 15ª edição. 2016, Editora Rideel.

 

http://www.tst.jus.br/sumulas